quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Memórias

Fazia um calor senegalês naquela tarde. Não havia vento, não havia brisa. As folhas das árvores caíam em linha reta e ficavam na raiz, sem movimento algum. Na varanda da casa amarela uma velha completamente solitária se esforçava para enxergar os pontos de seu bordado. Sentada numa cadeira que não era de balanço ela misturava cores e linhas. As vezes parava calmamente de bordar, pegava um lenço que ficava sempre no colo e secava o suor do rosto cansado e vivido, castigado pelo sol de uma vida inteira.

O silêncio daquela rua parecia ter tomado conta do mundo todo. Além disso, era uma rua pequena demais para um calor tão grande.

Todas as casas tinham as portas e janelas abertas. Exceto uma delas que tinha um portão velho de ferro, com um cadeado enorme juntando correntes grossas. Ali, ninguém parecia ser benvindo há muito tempo. Havia um gato magro e sujo na janela, um pote de leite azedo no chão, uma árvore morta de sede na frente e um balanço de corda e madeira, que dava indícios de que ali, alguém fora feliz um dia.

A velha parou de bordar assim que uma quase brisa passou. Ela fitou os olhos num tempo que há muito não está no presente.

Crianças passavam correndo pelo portão de ferro assim que sentiam o cheiro do bolo de milho e do café recém passado. Da rua era possível ver aquela cozinha movimentada e uma grande mesa de madeira maciça onde amigos, crianças, primos, netos, pessoas de toda a rua estavam sempre presentes. Irmãos.

A árvore robusta na frente da casa, garantia um frescor matinal a qualquer tarde de verão intenso.

Todas as casas tinham as portas e janelas abertas, sem exceção. Mas definitivamente, a mais alegre era aquela casa azul. Os dias ali, nunca precisaram pedir uma segunda chance. Eles aconteciam sem se preocupar com a poeira, que iminente ou não, um dia chega para todos nós.

A velha voltou ao presente. Recomeçou a bordar. O calor não havia passado. O tempo sim. Ela não parecia arrependida. Usou todas as “únicas chances” que lhe foram dadas.

Mas aquele portão, não voltou a se abrir.

Nenhum comentário: